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7.8.06

PPPs são micro AMIs

Vejam os senhores esse texto que foi publicado no site do jornalista Sidney Rezende:

Parcerias Público-Privadas: uma ameaça à democracia
Renata Lins - 06.08.06

O que são, de fato, as Parcerias Público-Privadas (PPP), que nos são apresentadas pelo governo Lula como a poção mágica que nos fará sair do marasmo de investimento em que nos encontramos? Em que consiste esta suposta alavanca fundamental para a retomada dos investimentos e do crescimento do país?

Em poucas palavras, as PPP são uma retomada dos princípios do AMI (Acordo Multilateral de Investimentos) "a nível nacional". Ou seja, trata-se de um mecanismo legal que permite às grandes corporações exercerem direitos extensos, deveres poucos, risco nenhum e lucro garantido.

O acordo do AMI – defendido pelos EUA e pela UE -, quando da sua negociação [1], foi veementemente criticado por organizações da sociedade civil, pois estas entendiam que este acordo reduziria de forma drástica a capacidade regulatória dos governos nacionais quanto à entrada e à atuação de investidores estrangeiros em seu território. O Acordo Multilateral de Investimentos revelava-se, pois, nocivo à democracia – em sua acepção tradicional de instrumento do direito soberano dos povos (e não, como hoje parece, de defesa dos direitos das corporações capitalistas) -, já que colocava as obrigações para com os investidores estrangeiros à frente das prioridades e necessidades do país em que investiam. Caso tivesse sido concluído o AMI, governo de um país signatário não poderia mais definir que sua prioridade estava no atendimento à sua população; em primeiro lugar, viriam os intocáveis investidores. Qualquer impedimento ao lucro seria taxado, e o patrimônio nacional poderia ser vendido a qualquer comprador interessado, não importando suas prioridades: era a privatização dos países [2]. A mobilização da sociedade civil, revelando as nefastas conseqüências deste acordo, constrangeu os governantes e deu suporte para que o AMI não se concretizasse. Agora, esta possibilidade encontra-se de novo em pauta, sob nova roupagem.

Com a divulgação para o grande público, que acabou levando à não-conclusão do AMI, ficou claro que o mundo ainda não estava preparado para aceitar o domínio inconteste das grandes empresas, nem a declarar o lucro como único fim válido a ser defendido na justiça – conseqüências diretas de se aceitar como incontestáveis as modernas regras do livre comércio.

No entanto, as empresas multinacionais não abandonariam o terreno sem lutar ferrenhamente pela possibilidade dos ganhos fáceis, vislumbrada quando da tentativa de fazer passar o AMI na OCDE. E não encontraram melhor solução do que fazer passar pelos parlamentos nacionais dos países (sobretudo, evidentemente, dos países mais frágeis) uma regulação que prescinde das difíceis rodadas de queda-de-braço entre nações de diferentes tamanhos e forças, com resultados muito semelhantes aos anteriormente pretendidos.

Porque é disso que se trata: as PPP dão todas as garantias às grandes empresas, sem que estas assumam nenhum risco como contrapartida. E quem se encarrega da conta? Os governos nacionais, é claro. Aos governos nacionais (cujas instituições são seguidamente chamadas de paquidérmicas, antiquadas, ineficientes, morosas, dispendiosas) cabe assumir os riscos que as grandes empresas ("eficientes", "dinâmicas", "arrojadas", "competentes", "eficazes") não desejam, garantindo simultaneamente a remuneração de seus investimentos. Nada de novo no front: parcerias entre governo e setor privado não são nenhuma novidade e sempre existiram: para isso os instrumentos da licitação, da concessão governamental e, evidentemente, as empresas estatais. O que este projeto coloca em pauta é uma mudança de regras em favor dos interesses dos investidores, que garante às empresas privadas o lucro sem risco, e engessa o governo na obrigação de priorizar o pagamento das empresas "parceiras" em detrimento de outras necessidades.

Segundo o professor Dércio Garcia Munhoz, em entrevista ao Correio da Cidadania [3], "a diferença para a PPP é que não há uma empresa constituída para isso. É um sistema de parcerias em que o Estado dá garantias de rentabilidade ao capital privado. O capital, para investir em uma economia em crise, bloqueada, como a nossa, precisa de garantia de lucro. Isso significa que chova ou faça sol o governo tem que dar um rendimento determinado para o capital privado."

A lógica do governo é simples: decretada a inexorabilidade da geração de superávits pelo governo, é necessário que o setor privado realize os investimentos necessários ao país. E para isso [4], deve-se garantir ao "parceiro" privado o lucro sem risco [5] que o levará a realizar o investimento. O que acontece, então? Os recursos que o governo não tem para investir (por causa da necessidade de gerar superávit) subitamente aparecem quando se trata de remunerar os investidores privados, conforme reza o artigo 7 o : "para o cumprimento das obrigações mencionadas no art.6o desta Lei [obrigações contraídas pela administração pública com o parceiro privado], será admitida a vinculação de receitas e a instituição de fundos especiais...". E, no artigo 8 o : "para a concessão de garantias(...) fica a união autorizada a integralizar recursos (...) em fundos fiduciários de incentivo às parcerias público-privadas criados por instituições financeiras públicas." Como aponta a economista Ceci Vieira Juruá [6]: "Paradoxal no entanto, na proposta de PPPs, é que o mesmo governo que se considera desprovido de recursos financeiros suficientes para cumprir suas atribuições constitucionais, apresenta-se ao setor privado, e à sociedade, como um parceiro que poderá assumir o resgate das dívidas contraídas pelo setor privado para operacionalização dos contratos de parceria(...)."

Mais uma vez, o dinheiro vai para os poderosos, e a sociedade que elegeu Lula com esperança de mudança "assiste bestificada". Assim como o compromisso com o superávit primário faz com que os pagamentos de juros da dívida venham antes das reais necessidades do país (de saúde, educação, moradia, segurança), as PPP garantem que os lucros vêm antes dos salários dos professores e dos médicos do setor público, antes do pagamento aos aposentados, antes da reparação de escolas e hospitais. E o "governo democrático e popular" revela-se, a cada passo, o algoz de seus eleitores e o humilde cumpridor dos mais obscuros desejos do FMI e do Banco Mundial.

Renata Lins é economista, doutoranda do IE/UFRJ***

[1] O AMI acabou não se concluindo, essencialmente devido à pressão da sociedade civil organizada.
[2] Sobre isso, ver artigo de Christian de Brie no Monde Diplomatique ( www.monde-diplomatique.fr ) de dezembro de 1998.
[3] www.correiocidadania.com.br/
[4] observe-se que esta lógica já está claramente delineada no texto do Ministério do Planejamento "Parcerias Publico-Privadas" de setembro de 2002 – anterior pois ao governo Lula.
[5] Diz o PL das PPP(art 2o inciso V): "repartição dos riscos de acordo com a capacidade dos parceiros em gerenciá-los". Evidentemente, o governo tem muito mais capacidade (ou necessidade) de "gerenciar riscos" do que qualquer parceiro privado...
[6] em texto disponível no site www.lpp-uerj/outrobrasil/

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