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16.1.11

A LIÇÃO DA SERRA

A sensação que tenho diante das informações da catástrofe na região serrana do RJ é de que nada disso servirá de lição e que as medidas necessárias não serão tomadas.  Entretanto, uma outra parte de mim vê no governador Sergio Cabral um politico de nova geração e com outros desafios - 2014 e 2016 - e algo me diz que poderemos ter uma mudança, a adoção de 50% das medidas necessarias, o que já seria muito bom.

O que você lerá aqui é um artigo duro e intragável, mas cujo teor não deve ser desprezado, em nome da tua propria vida! 

A tragédia está composta de dois fatores potentes: 1. o fator natural, um periodo chuvoso extremo, resultante de dois processos meteorologicos; 2. o fator humano, a farra das ocupações e conversões negativas do uso do solo.

O fator natural pode ser atribuido a soma do corredor de umidade que liga a Amazonia ao Centro-Sul (potencializado pelas mudanças em curso há 30 anos na Amazonia) com o fraco anticiclone extratropical que se formou no oceano, bem longe, mas bastante ativo para puxar a umidade do mar e de terra.  Ver as fotos do GOES neste link:
http://www.inmet.gov.br/projetos/sepis/GOES12/AMERICA_SUL/AS12_IV201101110245.jpg

Foram horas e horas de chuva resultando num volume proximo ao que caiu em abril na capital, a cidade carioca.

Dificilmente uma região coberta por florestas e dotadas de rios preservados consegue sair ilesa de uma pressão pluvial como essa.  Porém, estando o ambiente alterado e, em alguns casos, bastante alterado, o choque é devastador.  Fosse uma região preservada e distante, certamente sequer saberiamos do problema, como é a rotina na Amazonia, por exemplo.

O fator humano é o grande e decisivo complicador.  A região serrana vem há pelo menos 30 anos sendo carcomida pelo sonho urbano, principalmente dos cariocas, de ter um refugio montanhês, viabilizado pela industria imobiliaria.  Esta, como sempre, despreza as leis ambientais e o bom senso tecnico, para não entrarmos na questão das fraudes de cartório, uso da pistolagem contra posseiros, etc.  Essa industria, como sempre, financia os politicos amigos, simpáticos aos seus interesses, tornando-os campeões a cada eleição municipal.  Conta também com prestimosos funcionários publicos, que aprovam projetos e travam fiscalizações, fazendo mal uso de seus cargos de chefia.  Com isso, o sonho do paraiso montanhês é viabilizado, como se fosse algo puro e inofensivo, para nós, cidadãos urbanos, que não estamos nunca muito preocupados em saber da idoneidade dos nossos benfeitores imobiliários.

Acontece que, para este sonho ser materializado, precisamos de servos, ora bolas!  Gente mal paga para fazer faxina, vigilancia, para construir, para fazer reparos, para nos servir nos restaurantes e bares, para cuidar dos jardins e produzir nossa comida, ou para cuidar de nossos animais de estimação.  Essa gente irá morar aonde?  Irá morar nas invasões e favelizações, estas outras fabricas de votos, mantidas sempre na pindaíba para que o voto saia barato e facil ao politico que poderia acabar de vez com a pindaíba.

As favelas surgem nos piores terrenos, desprezados pelo especulador que espera ganhar mais.  Os condominios surgem nos melhores terrenos, expulsando a atividade produtiva agrária, dos criadores e produtores.  Na serra, culturas de morango, de hortaliças, foram substituidas por loteamentos caros.

E todos violam as leis ambientais, porque o espaço é pouco - sendo pouco, pouca gente deveria estar ali, mas... Sempre há um jeitinho.  Espaço pouco?  Ocupemos as margens dos rios e as encostas.  Oras, rios de montanha são perigosos, falsamente seguros, são rios que crescem com as chuvas, é de sua natureza.  As encostas de montanha também são frageis, seu solo é uma casca argilosa assentada sobre rocha, íngreme e escorregadio.  Não há segurança nisso, é óbvio.

Dizem agora que os prefeitos - nunca se fala dos vereadores - não avisaram ninguem, que passaram a vida toda mentindo.  Ora, esse povo não vê TV?  Não lê jornal?  Ou será que assiste, por vontade própria, livre escolha, a essa programação vagabunda das radios?  Será que lê apenas os jornais sangrentos e eróticos, os mais baratos?  Será que só presta atenção no BBB?  Na novela?  No futebol?  A resposta é SIM.

Mas, e o que dizer dos ricos que sofreram também?  Ah... Começamos a encontrar razões comuns.  A razão comum é essa: o azar só cai sobre os outros, sobre mim não.  Por que deixarei de aproveitar uma oportunidade?

Quem conhece a região serrana sabe que chuvas fortes, cheias e deslizamentos são uma rotina anual, morre um ali, outro perde um quintal, mas vai-se levando, porque o prazer e o ganho compensam.

Pois bem, Deus decretou o fim da impunidade, da farra.  A uns deu uma segunda chance - que agradecem dizendo que "só Deus mesmo" - a outros esse mesmo Deus levou (desta autoria ninguem se lembra, conveniente a mente humana) ou arruinou, deixando só com a roupa do corpo.

O que Deus quer - e ouso dizer isso - é que não vacilemos da proxima vez, porque terá outra.  As coisas são como são, cabe a cada um viver de forma que não vire presa, vitima, amanhã, não sendo mais mal ou burro que já é, mas sim mais prudente, humilde, mais comedido, mais sábio.

O que cabe agora?  Enterrar os mortos, devolver a vida aos sobreviventes e organizar uma reconstrução que não refaça os abusos punidos, mas dê para a região uma ocupação lucida, digna e respeitosa.  O que cabe agora - caberia - é apurar responsabilidades, mesmo que pareçam tão difusas.

A sociedade tem uma oportunidade de ouro, lambuzada de sangue e lama, de fazer melhor.  Terá ela interesse nisso?

Um comentário:

Mario Silva disse...

Excelente e inteligente texto com visão prática da realidade. Isso sim é um jornalismo crítico baseado em boa construção de conhecimento técnico e social.
Parabéns pela corajosa iniciativa de arregaçar as mangas, gastar a inteligência e redigir algo com qualidade.